O que é a entorse do tornozelo ?
A entorse do tornozelo é a lesão ligamentar mais comum em esportistas.
Também pode ocorrer durante a atividade de andar, correr ou saltar.
Representa 25 % de todas as queixas ortopédicas, ocorrendo uma lesão por
dia para cada 10.000 pessoas, isto é, 18.000 entorses por dia ou 750
entorses por hora no Brasil.
O movimento forçado do tornozelo e do pé para dentro, em direção à linha
média do corpo, ultrapassando o limite de resistência dos ligamentos,
resulta em danos a estas estruturas. Cerca de 90% das lesões ocorrem
desta maneira, pela inversão forçada do tornozelo.
A lesão mais comum é a ruptura parcial ou total dos ligamentos e da
cápsula articular lateral do tornozelo, o chamado complexo ligamentar
lateral.
A estrutura mais frágil e mais freqüentemente lesada é o ligamento talofibular anterior (LTFA).
Quais os ligamentos e estruturas estão envolvidos na entorse do tornozelo ?
O tornozelo é uma estrutura que deve ser estável e ao mesmo tempo
flexível para permitir que os movimentos do pé sejam precisos e tenham
força suficiente para impulsionar o corpo e absorver os impactos contra o
solo.
A sua configuração óssea lembra uma pinça, onde o tálus encaixa-se entre
a fíbula e a tíbia e é envolto por uma cápsula espessa e dois complexos
ligamentares, um lateral e outro medial.
Existem três ligamentos que formam o complexo ligamentar lateral do
tornozelo. O ligamento talofibular anterior, o calcâneofibular e o
talofibular posterior. Os mais importantes e envolvidos na entorse são
os ligamentos talofibular anterior (LTFA) e ligamento calcâneofibular
(LCF). Raramente ocorre ruptura do ligamento talofibular posterior
(LTFP).
O complexo ligamentar medial é formado pelo ligamento deltóide, que possui duas camadas, uma superficial e uma profunda.
Outras estruturas estão presentes e fazem parte da estabilização do
tornozelo, mas são mais raramente acometidas. São elas: os ligamentos
tibiofibular anterior e posterior, o retináculo inferior, o ligamento
cervical e o ligamento talocalcaneano.
O que pode ser lesado em uma entorse do tornozelo ?
O mesmo mecanismo de torção e as forças envolvidas em uma entorse podem
produzir uma fratura do tornozelo ou lesões da cartilagem de
revestimento da articulação.
O hematoma (sangramento) e edema (inchaço) são comuns depois de qualquer entorse.
Quando ocorre sangramento dentro da articulação (derrame articular),
isto pode levar à inflamação crônica dos tecidos moles do tornozelo e é
conhecida como sinovite.
Além disso, a lesão da parede interna da cápsula articular pode formar
uma cicatriz que permanece no interior da articulação do tornozelo e
pode interpor-se entre os ossos, causando dor e sensação de
instabilidade.
Mais raramente, uma lesão dos tendões fibulares pode ocasionar o
deslocamento de sua posição normal atrás da fíbula, uma condição
conhecida como subluxação dos tendões fibulares.
Lesões nervosas não são comuns, mas pode-se observar certo formigamento e
perda da sensibilidade na porção lateral do pé (parestesia) por
estiramento do nervo fibular superficial. Essa perda da sensibilidade é
rara e normalmente é transitória.
Quais sintomas após uma entorse de tornozelo ?
Os sintomas iniciais são: dor, inchaço e hematoma, que podem afetar os
dois lados da articulação, dependendo das estruturas acometidas.
A dor intensa ao toque e a impossibilidade de firmar o pé no chão ou de
apoiar o peso depois de uma entorse, requer uma avaliação médica
imediata e exames de raio X.
Cerca de 80 % das lesões evoluem com resultados satisfatórios após
tratamento conservador, porém, 20 % dos pacientes referem dor residual e
lesões associadas que impossibilitam suas atividades normais diárias.
Esses sintomas residuais e a dor crônica após a lesão ligamentar do
tornozelo representam grandes dificuldades e um desafio para qualquer
ortopedista.
Como é feito o diagnóstico de uma entorse de tornozelo ?
O diagnóstico baseia-se no relato da história do paciente, no exame
físico, nos sinais e sintomas encontrados e pelo estudo radiológico do
pé e tornozelo.
No exame físico, a palpação é importante para localizarmos pontos
dolorosos e avaliar a extensão das lesões. Existem testes que podem
auxiliar na classificação, indicar a presença de instabilidade
ligamentar e de lesões associadas.
Também é importante excluir possíveis fraturas com o exame de raio X,
principalmente se há dor intensa e impossibilidade de apoiar o pé no
solo.
Como são classificadas as entorses do tornozelo ?
Considerando as lesões ligamentares do complexo lateral, podemos classificá-las em três graus.
Grau 1 (Lesão leve) – Estiramento e ruptura de algumas fibras internas dos ligamentos
Dor e inchaço discreto. Tornozelo estável mecanicamente
Grau 2 (Lesão Moderada) – Ruptura parcial dos ligamentos
Dor, hematoma e inchaço. Tornozelo com certa instabilidade anterior
Grau 3 (Lesão Grave) – Ruptura completa dos ligamentos
Dor intensa, hematoma e grande inchaço. Tornozelo instável e com incapacidade funcional
Como é o tratamento para a entorse do tornozelo ?
A metodologia de tratamento das entorses ainda é um assunto bastante discutido e não totalmente estabelecido.
Uma abordagem prática é o tratamento das lesões ligamentares laterais
baseado na classificação utilizando-se a reabilitação funcional:
Entorses Grau 1:
Pode-se utilizar tala gessada, bota imobilizadora ou imobilizador tipo
“air-cast” por 1 ou 2 semanas. Lesões leves podem ser tratadas
funcionalmente com imobilização elástica. Indica-se repouso, uso de
gelo, antiinflamatórios e elevação do membro para aliviar os sintomas. A
fisioterapia acelera areabilitação a partir da 2ª ou 3ª semana após a
lesão.
Entorses Grau 2:
Tratamento semelhante ao grau 1 com prolongamento do tempo de
imobilização por até 3 semanas. O período de cicatrização, de
recuperação e de reabilitação é mais prolongado. A fisioterapia tem
papel importante para o completo resultado funcional.
Entorses Grau 3:
O tempo de imobilização pode chegar até 4 semanas. O período de
cicatrização, de recuperação e reabilitação é longo. Existe maior
possibilidade de ocorrer lesões associadas e complicações com sintomas
residuais tardios.
O tratamento cirúrgico é reservado para casos selecionados em atletas e
lesões com grande instabilidade e abertura da pinça articular.
Como é a reabilitação funcional após entorse de tornozelo ?
A reabilitação funcional é um programa supervisionado com três fases básicas de tratamento.
1ª Fase – Repouso,
elevação do tornozelo, gelo, antiinflamatório e imobilização, se
possível tipo “air-cast” ou bota imobilizadora. Esta fase dura até a
melhora da dor e do inchaço, geralmente 1 ou 2 semanas.
2ª Fase – Fisioterapia
motora supervisionada para melhorar o movimento do tornozelo, aumentar a
força e a estabilidade dos músculos. Nesta fase inicia-se o apoio e o
treino de marcha. Métodos analgésicos podem ser usados
concomitantemente.
3ª Fase – Intensifica-se
o treino de força e de propriocepção. Se o paciente sentir-se seguro e
confiante é realizada a reintrodução das atividades laborais e
desportivas.
O que é esperado após a entorse de tornozelo ?
Em seis semanas após entorse de tornozelo deve-se esperar 90% de bons
resultados e o retorno a um bom nível de função. No entanto, é possível
que existam alguns sintomas residuais de dor ou instabilidade da
articulação do tornozelo.
Mesmo após seis meses há ainda uma chance de 20 a 30 % dos pacientes
sofrerem com algum grau de desconforto ou leve instabilidade da
articulação.
Como é a avaliação dos sintomas tardios ?
A avaliação dos sintomas residuais (dor, inchaço e instabilidade) após
três meses de entorse do tornozelo, com tratamento e reabilitação
adequados, é feita através da avaliação da queixa do paciente, do exame
físico e da realização do exame de ressonância nuclear magnética.
Este exame auxilia no diagnóstico de defeitos da cartilagem articular
(lesões osteocondrais), aderências e cicatrizes internas dolorosas e
inflamadas como sendo a fonte dos sintomas tardios.
A sinovite, a lesão meniscóide e as lesões de cartilagem são as causas mais comuns de dor crônica após entorses de tornozelo.
A instabilidade crônica ocasiona entorses de repetição do tornozelo, em
intervalos variados e de diferentes graus, ocorrendo mesmo em terrenos
planos e não necessariamente associada à prática de esporte.
Como é feito o tratamento das lesões tardias ?
A instabilidade após o entorse (entorses de repetição) é uma queixa muito comum após o tratamento da lesão ligamentar.
Normalmente está associada à falta de reabilitação, como reforço
muscular e melhora da propriocepção. A propriocepção é a capacidade de
resposta muscular automática que auxilia no equilíbrio e na estabilidade
da articulação. Ela ajuda a evitar ou conter o estiramento e a ruptura
ligamentar do tornozelo durante o mecanismo de entorse. Por isso, deve
ser trabalhada e estimulada após qualquer lesão ligamentar, pois há uma
perda importante desse mecanismo de proteção.
A correção dos déficits de força, flexibilidade e propriocepção são
suficientes, na maioria das vezes, para estabilizar e evitar as entorses
de repetição.
O tratamento cirúrgico da instabilidade é indicado quando não houve
melhora com a reabilitação motora. Pacientes jovens, atletas ou com
grande atividade física diária podem se beneficiar com o reparo e o
retencionamento dos ligamentos laterais.
A técnica mais comumente empregada é chamada de Bröstrom Modificada,
onde os ligamentos lesionados são retencionados e reinseridos ao osso,
juntamente com um reforço do retináculo (banda ligamentar que segura os
tendões).
A sinovite crônica, a lesão meniscóide e as lesões de cartilagem –
lesões condrais – sintomáticas podem ser tratadas atualmente através da
realização da artroscopia do tornozelo, uma técnica minimamente invasiva
que permite avaliar a articulação internamente e tratar as lesões
utilizando câmera de vídeo e instrumentos específicos (ver “Artroscopia
do Tornozelo”)
Dr. Silvio Maffi