Ideias: Por um parto mais respeitoso
O Brasil é campeão mundial de cesáreas desnecessárias. Eu defendo o parto humanizado - nada mais do que um nascimento onde quem decide tudo é a principal envolvida: a mãe
por Érica de Paula.
Segundo a Organização Mundial de Saúde, o índice aceitável de cesarianas
por motivos médicos não deve passar de 15% dos nascimentos. No Brasil,
porém, o índice geral estava em 52% em 2010 e não para de crescer. No
setor privado, a taxa gira em torno de 70 a 90%, beirando 100% em muitos
hospitais. E não é culpa das mulheres. Pesquisas mostram que até 80%
delas desejam um parto normal no início da gestação, mas mudam de ideia
ao longo do pré-natal porque são desencorajadas pelo médico e pela
própria sociedade.
De fato, para o médico a cesariana é muito mais cômoda. Dura no máximo
meia hora, o que lhe permite agendar várias no mesmo dia - sem precisar
desmarcar consultório ou ter de sair de casa de madrugada. A cesariana
também é cômoda para o hospital, já que o centro cirúrgico fica ocupado
por um tempo previsível, e mais lucrativa por causa de sua complexidade
(no parto natural, paga-se praticamente só a hotelaria). Além disso,
algumas mulheres acham que o parto normal é mais arriscado ou que a dor é
insuportável - sendo que boa parte da dor vem das intervenções
desnecessárias que costumam ocorrer no parto normal padrão.
Claro que a cesariana é uma cirurgia maravilhosa, que foi inventada para
salvar vidas quando algo sai de seu curso normal. Por exemplo, quando a
mulher tem placenta prévia [situada na parte inferior do útero] ou
herpes genital ativa na hora do parto. Mas essas situações são minoria. E
os riscos da cesariana são inerentes a qualquer cirurgia de médio ou
grande porte. Sete camadas abdominais são cortadas, o que aumenta a
chance de infecção, hemorragia e outras complicações. A cesariana priva o
bebê do contato com as bactérias do canal vaginal e do intestino da mãe
- o que é importante para o desenvolvimento de seu sistema imunológico.
A recuperação da mulher é mais difícil, o que prejudica a amamentação e
pode interferir na saúde do bebê. Assim, infelizmente, no Brasil as
mulheres costumam pensar que só têm duas escolhas: uma cirurgia fria ou
um parto normal violento - que inclui, por exemplo, obrigar a mulher a
ficar deitada em posição de frango assado (o que não é natural),
manobras agressivas como a kristeller (pressão no fundo do útero para
acelerar o nascimento) e a episiotomia (corte no períneo).
É por isso que tentamos mostrar um terceiro caminho: o parto humanizado,
no qual a mulher é a protagonista. Todas as escolhas dela são
respeitadas, a começar pelo local onde ela quer parir - no hospital, na
sua casa, se for uma gestação de baixo risco, ou numa casa de parto. A
mulher define a posição que for mais confortável para ela - de cócoras,
de quatro apoios ou até mesmo na água -, e a quantidade de
acompanhantes. Ela também tem o direito de ter um contato precoce com o
bebê na primeira hora de vida, o que fortalece os vínculos afetivos: o
contrário do que acontece nos hospitais.
Em países como Holanda, Nova Zelândia e Inglaterra, o termo "parto
humanizado" sequer existe porque essa já é a assistência oferecida pelo
sistema de saúde. Portanto, o que hoje é visto no Brasil como inovação,
loucura ou coisa de gente natureba é rotina em muitos países
desenvolvidos. Para mudar a realidade brasileira, será preciso mudar a
formação dos profissionais e um maior controle do governo e agências
reguladoras sobre as indicações das cesarianas. Mas acredito que a maior
revolução virá a partir das mulheres. Somos nós que devemos exigir o
direito de sermos tratadas com respeito no momento de dar à luz e
denunciar os procedimentos violentos e desnecessários, além de cobrar
opções humanizadas do plano de saúde. E, principalmente, nos informar
sobre verdadeiras indicações de cesarianas para não sermos enganadas
pelo profissional ou iludidas pelo sistema.